quinta-feira, 31 de março de 2011
Março 2011
Em março...
1. O besouro verde (The Green Hornet/ 2011/ Dir. Michel Gondry);
2. Bruna surfistinha (idem/ 2011/ Dir. Marcus Baldini);
3. Thelma & Louise (idem/ 1991/ Dir. Ridley Scott) Revisto;
4. Rango ( idem/ 2011/ Dir. Gore Verbinski);
5. Gnomeu e Julieta (Gnomeo and Juliet/ 2011/ Dir. Kelly Asbury);
6. Dexter - 5a temporada;
7. Rango ( idem/ 2011/ Dir. Gore Verbinski) Revisto;
8. Felicity - 1a Temporada; Mais ou menos revisto. Não lembro se tinha visto completa antes;)
9. Passe livre (Hall Pass/ 2011/ Dir. Peter Farrelly e Bobby Farrelly);
10. Rebecca (idem/ 1940/ Dir. Alfred Hitchcock);
11. Sexo sem compromisso (No Strings Attached/ 2011/ Dir. Ivan Reitman);
12. A vida secreta das palavras (La Vida Secreta de las Palabras/ 2005/ Dir. Isabel Coixet) Revisto;
13. Sexo sem compromisso (No Strings Attached/ 2011/ Dir. Ivan Reitman) Revisto;
14. U2 3D (idem/ 2007/ Dir. Catherine Owens e Mark Pellington);
15. VIPs (idem/ 2011/ Dir. Toniko Melo);
16. Sem limites (Limitless/ 2011/ Dir. Neil Burger)
Agora? Caetano Veloso.
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quarta-feira, 30 de março de 2011
Sorte, acaso ou precisão?
Instinto e técnica se fundem no trabalho de um dos maiores nomes da fotografia
Consagrado como o pai do fotojornalismo, o francês Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004), desenvolveu um vasto e marcante trabalho fotográfico desde o início dos anos 30 até a chegada dos anos 70. Seu olhar registrou momentos únicos em diversas partes do mundo como França, Índia, Rússia, Cuba e México, por exemplo. Seu legado ultrapassa as fronteiras físicas e temporais, permanece relevante e continua influenciando amantes da fotografia mundo afora.
Bordéis, celebridades, personagens políticos, pessoas comuns... Todos estiveram presentes na obra de Cartier-Bresson. Seu interesse principal estava na mensagem, no subtexto. Seu fascínio residia em enxergar além do ordinário, ver além da simples imagem retratada em uma mistura de sorte e rigor técnico. O próprio fotógrafo ressaltou em uma entrevista ao documentário Henri Cartie-Bresson – L’amour tout cort (Dir. Raphaël O’Byrne) a importância de não apenas olhar, mas sim enxergar o que se está fotografando.
Durante cerca de quatro décadas trabalhou apenas com filmes em preto e branco e, ao contrário de alguns fotógrafos, não realizou séries específicas nem se focou em temáticas pré-definidas. Seu olhar esteve sempre a favor do momento decisivo, termo que deu título ao livro publicado em 1952. Nele, consagrou-se a ideia de buscar o instante por meio da fotografia que ajudou a definir o pensamento do fotógrafo.
Bresson representa um dos principais nomes da fotografia do século XX, mas seus interesses foram além dessa manifestação artística. Amante da música, estudou flauta quando criança, mas percebeu que esse não seria o seu meio de expressão após constatar que não tinha o ouvido necessário.
Aventurou-se, inclusive, pelo cinema através de três contribuições para o cineasta Jean Renoir e também de alguns documentários. Foi apenas um flerte com a sétima arte que Bresson não levou adiante. Seu verdadeiro fascínio dizia respeito à vida real. Consequentemente, no campo cinematográfico identificava-se mais com o documentário do que com a ficção, mas ainda assim priorizou a fotografia.
O amor declarado do fotógrafo consistia na pintura e no desenho que começou a estudar aos 15 anos de idade. Após décadas dedicadas à fotografia, Cartier-Bresson aposentou a máquina fotográfica nos anos 70 em favor dos seus cadernos de desenho.
Sobre tempo, fotografia e desenho, Bresson afirma em entrevista à jornalista Sheila Leirner pelo Estado de São Paulo que “A fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre em uma fração de segundos, o que é, ao mesmo tempo, desagradável e maravilhoso. Trata-se de uma luta contra o tempo, que, por sua vez, é uma invenção do homem. É preciso esquecer de si mesmo e da nossa vontade, não querer nada e deixar as coisas virem sozinhas, como ensina o budismo. Com o desenho, tudo está ali à espera, o tempo é praticamente infinito.”
Diante dessa tão vasta contribuição é possível destacar uma foto em especial que consegue traduzir bem ideias e conceitos que o fotógrafo procurava propagar:
A famosa fotografia mostra um homem saltando diante de uma poça de água, segundos antes que seu pé encontre o chão. Não podemos ver exatamente quem seria o homem em questão, mas é possível perceber a dinâmica e a beleza do momento. Um exemplo prático do já mencionado instante decisivo. Essa mesma fotografia ajuda a compreender um aspecto fundamental do próprio Bresson: a humildade que o permite admitir a importância da técnica, do enquadramento, da luz, mas também da sorte e do próprio acaso.
Ao contar a história por trás desta fotografia Bresson explica que a lente da câmera estava entre as grades e que, portanto, ele não conseguia enxergar o que estava fotografando. Sorte? Ele admite que sim. E diz mais, explica que sempre é uma questão de sorte. Ao revelar que uma de suas fotografias mais conhecidas foi concebida nessas condições ele vai além da simples alegação de sorte. Demonstra claramente o seu instinto fotográfico. Revela de maneira prática aquilo que propagou em tantas entrevistas: que a fotografia não se ensina. Que o olhar fotográfico não pode ser passado adiante. Ou se tem ou não se tem. E então voltamos ao começo dessa discussão: ou se enxerga verdadeiramente ou apenas se olha o objeto fotografado.
Instinto, técnica e sensibilidade se fundem no trabalho desse mestre da fotografia. Essa talvez seja a diferença mais palpável entre bons e excelentes fotógrafos. Afinal, manejar uma câmera pode não ser muito complexo, mas ir além do primor técnico e sentir a fotografia são aspectos fundamentais para tirar o extraordinário até das cenas mais comuns como, por exemplo, o salto diante de uma poça de água ou mesmo uma bicicleta passando em uma rua.
A composição das suas fotografias sempre tão simétricas com objetos e pessoas localizados estrategicamente no decorrer do enquadramento, o cuidado com a luz e o contraste e a capacidade de registrar momentos únicos representam bem o seu legado.
As fotografias são bem iluminadas e costumam apresentar um resultado geometricamente bem pensado com figuras dispostas no enquadramento quase como que em uma pintura. Ou seja, Bresson prioriza o instante, o momento e, por isso conta com o acaso. No entanto, não abandona o rigor técnico. Pensa e estrutura a imagem antes de cada click.
Uma história construída através de muito trabalho, dedicação e talento. A câmera, uma extensão do seu olhar e da sua sensibilidade.
Consagrado como o pai do fotojornalismo, o francês Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004), desenvolveu um vasto e marcante trabalho fotográfico desde o início dos anos 30 até a chegada dos anos 70. Seu olhar registrou momentos únicos em diversas partes do mundo como França, Índia, Rússia, Cuba e México, por exemplo. Seu legado ultrapassa as fronteiras físicas e temporais, permanece relevante e continua influenciando amantes da fotografia mundo afora.
Bordéis, celebridades, personagens políticos, pessoas comuns... Todos estiveram presentes na obra de Cartier-Bresson. Seu interesse principal estava na mensagem, no subtexto. Seu fascínio residia em enxergar além do ordinário, ver além da simples imagem retratada em uma mistura de sorte e rigor técnico. O próprio fotógrafo ressaltou em uma entrevista ao documentário Henri Cartie-Bresson – L’amour tout cort (Dir. Raphaël O’Byrne) a importância de não apenas olhar, mas sim enxergar o que se está fotografando.
Durante cerca de quatro décadas trabalhou apenas com filmes em preto e branco e, ao contrário de alguns fotógrafos, não realizou séries específicas nem se focou em temáticas pré-definidas. Seu olhar esteve sempre a favor do momento decisivo, termo que deu título ao livro publicado em 1952. Nele, consagrou-se a ideia de buscar o instante por meio da fotografia que ajudou a definir o pensamento do fotógrafo.
Bresson representa um dos principais nomes da fotografia do século XX, mas seus interesses foram além dessa manifestação artística. Amante da música, estudou flauta quando criança, mas percebeu que esse não seria o seu meio de expressão após constatar que não tinha o ouvido necessário.
Aventurou-se, inclusive, pelo cinema através de três contribuições para o cineasta Jean Renoir e também de alguns documentários. Foi apenas um flerte com a sétima arte que Bresson não levou adiante. Seu verdadeiro fascínio dizia respeito à vida real. Consequentemente, no campo cinematográfico identificava-se mais com o documentário do que com a ficção, mas ainda assim priorizou a fotografia.
O amor declarado do fotógrafo consistia na pintura e no desenho que começou a estudar aos 15 anos de idade. Após décadas dedicadas à fotografia, Cartier-Bresson aposentou a máquina fotográfica nos anos 70 em favor dos seus cadernos de desenho.
Sobre tempo, fotografia e desenho, Bresson afirma em entrevista à jornalista Sheila Leirner pelo Estado de São Paulo que “A fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre em uma fração de segundos, o que é, ao mesmo tempo, desagradável e maravilhoso. Trata-se de uma luta contra o tempo, que, por sua vez, é uma invenção do homem. É preciso esquecer de si mesmo e da nossa vontade, não querer nada e deixar as coisas virem sozinhas, como ensina o budismo. Com o desenho, tudo está ali à espera, o tempo é praticamente infinito.”
Diante dessa tão vasta contribuição é possível destacar uma foto em especial que consegue traduzir bem ideias e conceitos que o fotógrafo procurava propagar:
A famosa fotografia mostra um homem saltando diante de uma poça de água, segundos antes que seu pé encontre o chão. Não podemos ver exatamente quem seria o homem em questão, mas é possível perceber a dinâmica e a beleza do momento. Um exemplo prático do já mencionado instante decisivo. Essa mesma fotografia ajuda a compreender um aspecto fundamental do próprio Bresson: a humildade que o permite admitir a importância da técnica, do enquadramento, da luz, mas também da sorte e do próprio acaso.
Ao contar a história por trás desta fotografia Bresson explica que a lente da câmera estava entre as grades e que, portanto, ele não conseguia enxergar o que estava fotografando. Sorte? Ele admite que sim. E diz mais, explica que sempre é uma questão de sorte. Ao revelar que uma de suas fotografias mais conhecidas foi concebida nessas condições ele vai além da simples alegação de sorte. Demonstra claramente o seu instinto fotográfico. Revela de maneira prática aquilo que propagou em tantas entrevistas: que a fotografia não se ensina. Que o olhar fotográfico não pode ser passado adiante. Ou se tem ou não se tem. E então voltamos ao começo dessa discussão: ou se enxerga verdadeiramente ou apenas se olha o objeto fotografado.
Instinto, técnica e sensibilidade se fundem no trabalho desse mestre da fotografia. Essa talvez seja a diferença mais palpável entre bons e excelentes fotógrafos. Afinal, manejar uma câmera pode não ser muito complexo, mas ir além do primor técnico e sentir a fotografia são aspectos fundamentais para tirar o extraordinário até das cenas mais comuns como, por exemplo, o salto diante de uma poça de água ou mesmo uma bicicleta passando em uma rua.
A composição das suas fotografias sempre tão simétricas com objetos e pessoas localizados estrategicamente no decorrer do enquadramento, o cuidado com a luz e o contraste e a capacidade de registrar momentos únicos representam bem o seu legado.
As fotografias são bem iluminadas e costumam apresentar um resultado geometricamente bem pensado com figuras dispostas no enquadramento quase como que em uma pintura. Ou seja, Bresson prioriza o instante, o momento e, por isso conta com o acaso. No entanto, não abandona o rigor técnico. Pensa e estrutura a imagem antes de cada click.
Uma história construída através de muito trabalho, dedicação e talento. A câmera, uma extensão do seu olhar e da sua sensibilidade.
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terça-feira, 29 de março de 2011
Orwell
De 1984 (George Orwell):
"Havia verdade e havia mentira, e não se está louco porque se insiste em se agarrar à verdade mesmo contra o mundo todo." (Pág. 209)
"Era curioso pensar que o céu era o mesmo para todos, na Eurásia como na Lestásia, ou como na Oceania. E o povo que vivia sob o céu era também muito parecido - por toda parte, em todo o mundo, centenas ou milhares de milhões de pessoas exatamente assim, ignorantes da existência dos outros, separados por muralhas de ódios e mentiras, e no entanto quase exatamente iguais - gente que nunca aprendera a pensar mas guardava no coração, no ventre e nos músculos a força que um dia revolucionaria o mundo." (Pág. 211)
Agora? Florence and the machine.
segunda-feira, 28 de março de 2011
Coixet
Pesquisando sobre a cineasta Isabel Coixet, diretora de A vida secreta das palavras e também de Minha vida sem mim. Sendo esse último um dos filmes da minha vida.
Entre o que se lê e se vê, algumas palavras:
"I think in our days you can watch those big blockbusters, but there's also space for films where people actually feel something and talk about it and films with a little silence." Coixet.
"We have to stop blaming ourselves for what we don't have and start asking for what we deserve - whether it's more money or more work or whatever." Isabel Coixet.
"I have a thing with literary adaptations--if you really worship the author, you're always too scared to make changes and there is a moment you have to break from the book and do a film" Coixet.
Agora? Cibelle.
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sábado, 26 de março de 2011
“Há muito poucas coisas: silêncio e palavras”
Dor, lembrança, memória e superação se misturam na busca pela tranquilidade
A vida secreta das palavras (La Vida Secreta de las Palabras)
2005/Espanha/ 115min.
Direção e roteiro: Isabel Coixet
Elenco: Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Cámara, Eddie Marsan, Leonor Watling.
Hanna (Sarah Polley) é uma mulher reservada, metódica, objetiva, solitária e misteriosa que tenta esquecer seu passado. Não fala muito e vive para si mesma por meio de uma rotina rigorosa que envolve ir ao trabalho pontualmente – sem jamais ter faltado um único dia – e comer sempre a mesma refeição composta por uma pequena poção de arroz branco, galinha e meia maçã.
Apesar de ser uma funcionária exemplar, sua presença incomoda os demais trabalhadores. Sendo assim, Hanna é incentivada, ou melhor, é convidada a tirar férias. Ao invés de relaxar em algum paraíso tropical, vai trabalhar como enfermeira em uma plataforma de petróleo na qual, após um acidente, Josef (Tim Robbins) se encontra em uma situação complicada com queimaduras pelo corpo, além de estar temporariamente cego.
Tratando dessa maneira, o filme poderia se tratar de um simples romance entre dois indivíduos que se cruzam por um acaso e descobrem o amor, mas não é exatamente isso... A vida secreta das palavras vai além do óbvio e apresenta ao espectador uma obra construída através de camadas finas e delicadas que devem ser apreciadas e analisadas com cuidado, além de representarem a possibilidade de diferentes interpretações para cada olhar que se permitir enxergar o longa.
Nas palavras da própria diretora: “Um filme sobre o peso do passado. Sobre o súbito silêncio que é produzido antes de uma tempestade... E, acima de qualquer outra coisa, sobre o poder do amor até nas mais terríveis circunstâncias.” (Tradução livre).
Não se sabe muito sobre Hanna. A narrativa é construída de maneira que o espectador tenha conhecimento apenas do mínimo necessário em relação á personagem. Não se sabe de onde ela vem (conhece-se apenas um sotaque do leste europeu) ou por que ela vive da maneira que vive. Não se sabe como ela ficou quase surda (Hanna utiliza um aparelho de surdez que, quando desligado, a deixa sem escutar praticamente nada. Ela costuma fazê-lo quando quer ficar sozinha) ou mesmo por que ela está sempre só. É como se a própria Hanna quisesse esquecer de si mesma, como se estivesse apenas esperando. Pelo quê? Também não se sabe. É como se escuta na narração em off em um determinado momento do filme: “matando o tempo antes que ele mate você”. Ela quer se desvincular do seu passado, mas para isso, também quer esquecer do seu presente, afinal, diz o ditado que a vida continua. Mas continua mesmo? Para quem? Como se segue adiante?
As respostas são mantidas distante dos espectadores que se envolvem com Hanna e suas questões mesmo sem saber realmente quem é essa mulher. As revelações para essas perguntas (ou pelo menos para uma parte delas) serão apresentadas mais à frente, depois de muita história.
Ao ser forçada a deixar a sua rotina “confortável”, Hanna é obrigada a encarar certas questões. Primeiro precisa decidir o que fazer com tanto tempo livre. Ela se espanta ao constatar que suas férias consistem em um mês inteiro.
Apesar das suas decisões, ela acaba sabendo da vaga na plataforma de petróleo. O que pode ser melhor para esquecer de si mesma e dos seus problemas do que manter a mente ocupada com o trabalho, não é? Mas essa oportunidade de emprego se mostrará muito mais do que isso. Embora ela tenha necessidade de estar só, fora do contato humano, Hanna precisará reavaliar muitas questões.
Após um acidente na plataforma em questão um funcionário morre e outro, o já citado Josef, permanece em um estado complicado de saúde. Esse acontecimento resulta no fechamento parcial da plataforma. Sendo assim, os trabalhadores do local, cerca de sete homens, ficam suspensos por incertezas. Não se sabe o destino da plataforma nem, consequentemente, o destino daqueles que nela habitam.
Ao conversar com a recém-chegada, Dimitri, o responsável pelo estabelecimento, ressalta que esse é um ambiente composto, em sua maioria, por pessoas que querem ser deixadas em paz por um motivo ou por outro. Mas a situação atual altera a perspectiva geral. Com o fechamento da plataforma, até mesmo o ruído alto das máquinas vai embora. Resta apenas o silêncio e a incerteza dessas vidas sobre o mar que recebe milhares de ondas diariamente sem nem mesmo sentir.
No espaço confinado em alto mar conhece-se o já citado Dimitri - uma dessas pessoas que querem ser deixadas em paz – Josef; Abdul que trabalha com a limpeza; Scott e Liam, responsáveis pela sala de máquinas; Martin, o oceanógrafo que trabalha com pesquisas sobre o impacto do mar na plataforma e também sobre o impacto do trabalho realizado pela plataforma no mar e, mais especificamente, na vida dos mexilhões do local e Simon (Javier Cámara de Fale com ela), o cozinheiro espanhol.
Pessoas tão diferentes que precisam conviver em um mesmo espaço físico relativamente grande, mas que estando aparte de tudo, torna-se tão pequeno. Cada um, à sua maneira, tenta fugir dos seus próprios demônios e fantasmas. Cada um precisa esquecer de algo ou ainda, lembrar-se de alguma outra coisa. Faz-se necessário estabelecer seus próprios rituais para que a sanidade seja mantida.
Seja através do amor e do contato físico clandestino como no caso de dois dos personagens, homens casados que, estando tão distantes de casa, necessitam ser relembrados de certas sensações e do carinho através da cumplicidade física e emocional um do outro.
Seja através da vontade de testar suas habilidades e manter-se são através dos aromas, dos sabores e da arte, caso de Simon, o cozinheiro. A cada dia ele prepara uma refeição específica de alguma parte do mundo. Sempre algo diferente que é preparado enquanto se escuta música típica do local de onde a comida em questão se origina.
É a partir dessa nova realidade e desses novos confrontos que Hanna precisa reencontrar-se em si mesma. Durante a sua estadia na plataforma de petróleo, ela passa a ter o contato humano que há tanto tempo vinha evitando. Principalmente através da relação que estabelece com o seu paciente. Ambos, cada um carregando suas próprias bagagens e ferimentos, passam a conviver e conversar diariamente. Essa troca, por vezes bem humorada, melancólica, triste, misteriosa e profunda molda os dois dentro de novas perspectivas.
A partir do momento em que Hanna se vê constantemente confrontada pelos questionamentos e conversas incansáveis de Josef ela passa a encarar seus próprios medos e a possibilidade de mudança.
Uma passagem importante que sinaliza a quebra de algo importante dentro da personagem chega através da gastronomia. Há quanto tempo Hanna se alimenta apenas de arroz, galinha e maçã? Não se sabe ao certo, mas é possível constatar que tal hábito já vem sendo cultivado há muito tempo e que a sua rotina nunca é quebrada. Pelo menos até então. Quando ela finalmente decide compartilhar alguma informação relevante com Josef – que gosta de arroz, galinha e maçã – ele não consegue acreditar que ela goste apenas disso. O lampejo de cumplicidade é ameaçado e, em seguida, ao encontra-se sozinha, Hanna entrega-se a novos sabores. Esse é o momento-chave da mudança. Seu nervosismo e ansiedade são visíveis. Seria esse um reflexo da necessidade de mudar?
A convivência entre Josef e Hanna vai mudar o destino dos dois. A elaboração da confiança e do companheirismo dos dois vai sendo construída com o passar do tempo no qual ambos têm a oportunidade de refletir e, principalmente, compartilhar as suas feridas. Os dois se ajudam a entender já que certas marcas não podem ser apenas superadas e esquecidas. Seus fardos são divididos a partir do momento que um enxerga no outro a possibilidade de se compreender.
A parceria entre a atriz Sarah Polley e a cineasta Isabel Coixet não é novidade. Em 2003 as duas trabalharam juntas no longa Minha vida sem mim que apresenta muitos pontos em comum com A vida secreta das palavras como uma história simples que desemboca em subtextos complexos, a estética naturalista, a delicadeza, a sutileza, a sensibilidade à flor da pele e a estética minimalista. Muito do estilo da diretora se apresenta nos dois filmes.
É importante ressaltar que a parceria entre as duas vem dando certo. Mais uma vez Sarah Polley entrega uma atuação belíssima que funciona perfeitamente ao lado de Tim Robbins. Todo o elenco está afinado e realiza um trabalho muito competente.
A vida secreta das palavras é muito consistente na sua narrativa. A trama é muito bem construída. No início do filme não se imagina o desfecho que nos espera e, no entanto, os elementos vão se apresentando aos poucos até que cada ponta seja devidamente amarrada.
Além disso, trata-se de um deleite visual. Mais uma vez – como aconteceu no já citado trabalho anterior da diretora, Minha vida sem mim – Isabel Coixet aposta no naturalismo, cenários e personagens que se aproximam do real. Eles são tão palpáveis que poderiam ser/estar ao nosso lado. Maquiagem, figurino, iluminação... tudo é apresentado de maneira bem natural.
Outro aspecto importante é a maneira característica com que a diretora utiliza a câmera nos seus filmes. Ela está constantemente na mão, o que confere um leve balançar as cenas. Além disso, observa-se também que essa câmera é bastante furtiva. Apresenta-se a uma certa distância, com algum objeto à frente para revelar, em segundo plano, o foco da cena.
A montagem é fluida e tranquila auxiliada, muitas vezes, por fades in e out (desaparecimento e reaparecimento gradual da imagem em uma tela preta). Esse recurso ajuda a estabelecer a “lentidão” do filme. Essa lentidão não é cansativa e nem mesmo massiva. Personagens e espectadores podem tomar o seu tempo para absorver e processar o que se passa diante deles. Tanto Hanna como Josef precisam viver um dia de cada vez para, assim, entender melhor o que está acontecendo com eles e, principalmente, para que possam se permitir ou não. Sua feridas invisíveis necessitam de tempo.
Assim como em Minha vida sem mim, O silêncio das palavras se trata de um filme introspectivo. Não há excessos. A ação se desenrola gradativamente e o filme se apresenta de maneira serena, delicada e lenta, como precisa ser digerido. As camadas se revelam aos poucos.
É como a narração do filme ressalta: “Disse-lhes antes, não foi? Há muito poucas coisas: silêncio e palavras.” É no silêncio que Hanna quer esquecer e, principalmente, ser esquecida. É nesse silêncio que ela precisa se confinar. Assim como Josef carrega o seu próprio silêncio. Mas é através das palavras que eles passam a se reencontrar. Sim, palavras nem sempre são doces. Palavras que revelam e relembram. Que ajudam a reviver infernos particulares, mas ainda assim palavras que levam à compressão.
Afinal é por meio dessa convivência e dessa cumplicidade que passamos a nos entender melhor. É durante alguns momentos de confiança genuína que fardos impensáveis podem ser, ao menos, um pouco aliviados ainda que isso não possa ser feito completamente.
Um filme absolutamente cinematográfico, esteticamente maravilhoso que ressalta a relevância das palavras e do diálogo. Como uma cronista, Isabel Coixet mergulha em temas cotidianos para construir uma narrativa lírica, precisa, delicada e profunda.
Agora? Zaz.
A vida secreta das palavras (La Vida Secreta de las Palabras)
2005/Espanha/ 115min.
Direção e roteiro: Isabel Coixet
Elenco: Sarah Polley, Tim Robbins, Javier Cámara, Eddie Marsan, Leonor Watling.
Hanna (Sarah Polley) é uma mulher reservada, metódica, objetiva, solitária e misteriosa que tenta esquecer seu passado. Não fala muito e vive para si mesma por meio de uma rotina rigorosa que envolve ir ao trabalho pontualmente – sem jamais ter faltado um único dia – e comer sempre a mesma refeição composta por uma pequena poção de arroz branco, galinha e meia maçã.
Apesar de ser uma funcionária exemplar, sua presença incomoda os demais trabalhadores. Sendo assim, Hanna é incentivada, ou melhor, é convidada a tirar férias. Ao invés de relaxar em algum paraíso tropical, vai trabalhar como enfermeira em uma plataforma de petróleo na qual, após um acidente, Josef (Tim Robbins) se encontra em uma situação complicada com queimaduras pelo corpo, além de estar temporariamente cego.
Tratando dessa maneira, o filme poderia se tratar de um simples romance entre dois indivíduos que se cruzam por um acaso e descobrem o amor, mas não é exatamente isso... A vida secreta das palavras vai além do óbvio e apresenta ao espectador uma obra construída através de camadas finas e delicadas que devem ser apreciadas e analisadas com cuidado, além de representarem a possibilidade de diferentes interpretações para cada olhar que se permitir enxergar o longa.
Nas palavras da própria diretora: “Um filme sobre o peso do passado. Sobre o súbito silêncio que é produzido antes de uma tempestade... E, acima de qualquer outra coisa, sobre o poder do amor até nas mais terríveis circunstâncias.” (Tradução livre).
Não se sabe muito sobre Hanna. A narrativa é construída de maneira que o espectador tenha conhecimento apenas do mínimo necessário em relação á personagem. Não se sabe de onde ela vem (conhece-se apenas um sotaque do leste europeu) ou por que ela vive da maneira que vive. Não se sabe como ela ficou quase surda (Hanna utiliza um aparelho de surdez que, quando desligado, a deixa sem escutar praticamente nada. Ela costuma fazê-lo quando quer ficar sozinha) ou mesmo por que ela está sempre só. É como se a própria Hanna quisesse esquecer de si mesma, como se estivesse apenas esperando. Pelo quê? Também não se sabe. É como se escuta na narração em off em um determinado momento do filme: “matando o tempo antes que ele mate você”. Ela quer se desvincular do seu passado, mas para isso, também quer esquecer do seu presente, afinal, diz o ditado que a vida continua. Mas continua mesmo? Para quem? Como se segue adiante?
As respostas são mantidas distante dos espectadores que se envolvem com Hanna e suas questões mesmo sem saber realmente quem é essa mulher. As revelações para essas perguntas (ou pelo menos para uma parte delas) serão apresentadas mais à frente, depois de muita história.
Ao ser forçada a deixar a sua rotina “confortável”, Hanna é obrigada a encarar certas questões. Primeiro precisa decidir o que fazer com tanto tempo livre. Ela se espanta ao constatar que suas férias consistem em um mês inteiro.
Apesar das suas decisões, ela acaba sabendo da vaga na plataforma de petróleo. O que pode ser melhor para esquecer de si mesma e dos seus problemas do que manter a mente ocupada com o trabalho, não é? Mas essa oportunidade de emprego se mostrará muito mais do que isso. Embora ela tenha necessidade de estar só, fora do contato humano, Hanna precisará reavaliar muitas questões.
Após um acidente na plataforma em questão um funcionário morre e outro, o já citado Josef, permanece em um estado complicado de saúde. Esse acontecimento resulta no fechamento parcial da plataforma. Sendo assim, os trabalhadores do local, cerca de sete homens, ficam suspensos por incertezas. Não se sabe o destino da plataforma nem, consequentemente, o destino daqueles que nela habitam.
Ao conversar com a recém-chegada, Dimitri, o responsável pelo estabelecimento, ressalta que esse é um ambiente composto, em sua maioria, por pessoas que querem ser deixadas em paz por um motivo ou por outro. Mas a situação atual altera a perspectiva geral. Com o fechamento da plataforma, até mesmo o ruído alto das máquinas vai embora. Resta apenas o silêncio e a incerteza dessas vidas sobre o mar que recebe milhares de ondas diariamente sem nem mesmo sentir.
No espaço confinado em alto mar conhece-se o já citado Dimitri - uma dessas pessoas que querem ser deixadas em paz – Josef; Abdul que trabalha com a limpeza; Scott e Liam, responsáveis pela sala de máquinas; Martin, o oceanógrafo que trabalha com pesquisas sobre o impacto do mar na plataforma e também sobre o impacto do trabalho realizado pela plataforma no mar e, mais especificamente, na vida dos mexilhões do local e Simon (Javier Cámara de Fale com ela), o cozinheiro espanhol.
Pessoas tão diferentes que precisam conviver em um mesmo espaço físico relativamente grande, mas que estando aparte de tudo, torna-se tão pequeno. Cada um, à sua maneira, tenta fugir dos seus próprios demônios e fantasmas. Cada um precisa esquecer de algo ou ainda, lembrar-se de alguma outra coisa. Faz-se necessário estabelecer seus próprios rituais para que a sanidade seja mantida.
Seja através do amor e do contato físico clandestino como no caso de dois dos personagens, homens casados que, estando tão distantes de casa, necessitam ser relembrados de certas sensações e do carinho através da cumplicidade física e emocional um do outro.
Seja através da vontade de testar suas habilidades e manter-se são através dos aromas, dos sabores e da arte, caso de Simon, o cozinheiro. A cada dia ele prepara uma refeição específica de alguma parte do mundo. Sempre algo diferente que é preparado enquanto se escuta música típica do local de onde a comida em questão se origina.
É a partir dessa nova realidade e desses novos confrontos que Hanna precisa reencontrar-se em si mesma. Durante a sua estadia na plataforma de petróleo, ela passa a ter o contato humano que há tanto tempo vinha evitando. Principalmente através da relação que estabelece com o seu paciente. Ambos, cada um carregando suas próprias bagagens e ferimentos, passam a conviver e conversar diariamente. Essa troca, por vezes bem humorada, melancólica, triste, misteriosa e profunda molda os dois dentro de novas perspectivas.
A partir do momento em que Hanna se vê constantemente confrontada pelos questionamentos e conversas incansáveis de Josef ela passa a encarar seus próprios medos e a possibilidade de mudança.
Uma passagem importante que sinaliza a quebra de algo importante dentro da personagem chega através da gastronomia. Há quanto tempo Hanna se alimenta apenas de arroz, galinha e maçã? Não se sabe ao certo, mas é possível constatar que tal hábito já vem sendo cultivado há muito tempo e que a sua rotina nunca é quebrada. Pelo menos até então. Quando ela finalmente decide compartilhar alguma informação relevante com Josef – que gosta de arroz, galinha e maçã – ele não consegue acreditar que ela goste apenas disso. O lampejo de cumplicidade é ameaçado e, em seguida, ao encontra-se sozinha, Hanna entrega-se a novos sabores. Esse é o momento-chave da mudança. Seu nervosismo e ansiedade são visíveis. Seria esse um reflexo da necessidade de mudar?
A convivência entre Josef e Hanna vai mudar o destino dos dois. A elaboração da confiança e do companheirismo dos dois vai sendo construída com o passar do tempo no qual ambos têm a oportunidade de refletir e, principalmente, compartilhar as suas feridas. Os dois se ajudam a entender já que certas marcas não podem ser apenas superadas e esquecidas. Seus fardos são divididos a partir do momento que um enxerga no outro a possibilidade de se compreender.
A parceria entre a atriz Sarah Polley e a cineasta Isabel Coixet não é novidade. Em 2003 as duas trabalharam juntas no longa Minha vida sem mim que apresenta muitos pontos em comum com A vida secreta das palavras como uma história simples que desemboca em subtextos complexos, a estética naturalista, a delicadeza, a sutileza, a sensibilidade à flor da pele e a estética minimalista. Muito do estilo da diretora se apresenta nos dois filmes.
É importante ressaltar que a parceria entre as duas vem dando certo. Mais uma vez Sarah Polley entrega uma atuação belíssima que funciona perfeitamente ao lado de Tim Robbins. Todo o elenco está afinado e realiza um trabalho muito competente.
A vida secreta das palavras é muito consistente na sua narrativa. A trama é muito bem construída. No início do filme não se imagina o desfecho que nos espera e, no entanto, os elementos vão se apresentando aos poucos até que cada ponta seja devidamente amarrada.
Além disso, trata-se de um deleite visual. Mais uma vez – como aconteceu no já citado trabalho anterior da diretora, Minha vida sem mim – Isabel Coixet aposta no naturalismo, cenários e personagens que se aproximam do real. Eles são tão palpáveis que poderiam ser/estar ao nosso lado. Maquiagem, figurino, iluminação... tudo é apresentado de maneira bem natural.
Outro aspecto importante é a maneira característica com que a diretora utiliza a câmera nos seus filmes. Ela está constantemente na mão, o que confere um leve balançar as cenas. Além disso, observa-se também que essa câmera é bastante furtiva. Apresenta-se a uma certa distância, com algum objeto à frente para revelar, em segundo plano, o foco da cena.
A montagem é fluida e tranquila auxiliada, muitas vezes, por fades in e out (desaparecimento e reaparecimento gradual da imagem em uma tela preta). Esse recurso ajuda a estabelecer a “lentidão” do filme. Essa lentidão não é cansativa e nem mesmo massiva. Personagens e espectadores podem tomar o seu tempo para absorver e processar o que se passa diante deles. Tanto Hanna como Josef precisam viver um dia de cada vez para, assim, entender melhor o que está acontecendo com eles e, principalmente, para que possam se permitir ou não. Sua feridas invisíveis necessitam de tempo.
Assim como em Minha vida sem mim, O silêncio das palavras se trata de um filme introspectivo. Não há excessos. A ação se desenrola gradativamente e o filme se apresenta de maneira serena, delicada e lenta, como precisa ser digerido. As camadas se revelam aos poucos.
É como a narração do filme ressalta: “Disse-lhes antes, não foi? Há muito poucas coisas: silêncio e palavras.” É no silêncio que Hanna quer esquecer e, principalmente, ser esquecida. É nesse silêncio que ela precisa se confinar. Assim como Josef carrega o seu próprio silêncio. Mas é através das palavras que eles passam a se reencontrar. Sim, palavras nem sempre são doces. Palavras que revelam e relembram. Que ajudam a reviver infernos particulares, mas ainda assim palavras que levam à compressão.
Afinal é por meio dessa convivência e dessa cumplicidade que passamos a nos entender melhor. É durante alguns momentos de confiança genuína que fardos impensáveis podem ser, ao menos, um pouco aliviados ainda que isso não possa ser feito completamente.
Um filme absolutamente cinematográfico, esteticamente maravilhoso que ressalta a relevância das palavras e do diálogo. Como uma cronista, Isabel Coixet mergulha em temas cotidianos para construir uma narrativa lírica, precisa, delicada e profunda.
Agora? Zaz.
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sexta-feira, 25 de março de 2011
Bresson e o tempo
“A fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre em uma fração de segundos, o que é, ao mesmo tempo, desagradável e maravilhoso. Trata-se de uma luta contra o tempo, que, por sua vez, é uma invenção do homem. É preciso esquecer de si mesmo e da nossa vontade, não querer nada e deixar as coisas virem sozinhas, como ensina o budismo. Com o desenho, tudo está ali à espera, o tempo é praticamente infinito.” (Sobre tempo, fotografia e desenho, Henri Cartier-Bresson em entrevista à jornalista Sheila Leirner pelo Estado de São Paulo)
Agora? The Smiths.
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segunda-feira, 21 de março de 2011
Enxergar além do óbvio e do ordinário
Sou feita de lágrimas. Uma típica chorona. Choro com filme, telejornal, histórias bonitas, pessoas felizes... Choro, bom, com quase tudo. Quase sempre. Mas – não sei bem o motivo – não choro com livros. Adoro ler. A palavra impressa me encanta, mas simplesmente não choro com eles. Mesmo.
No entanto a barreira foi quebrada. Não dizem que toda regra tem uma exceção? Pois bem, a minha tem nome, A vida que ninguém vê da jornalista Eliane Brum. Comecei a leitura em um ônibus e já com duas das três primeiras histórias (mais especificamente, Histórias de um olhar e enterro de pobre) estava lá eu toda emocionada com lágrimas brotando em um olhar encantado.
Durante 11 meses, a autora foi responsável por uma coluna no jornal Zero Hora que misturava crônica e jornalismo. Além de desafiar a objetividade do jornalismo que busca o extraordinário, A vida que ninguém vê (também nome da coluna) partia para o micro que representa o macro, vidas comuns. Zés e Marias que, assim como diz o título, ninguém vê. Pessoas ordinárias, mas que, assim como cada ser humano, na verdade, são extraordinárias, guardam histórias e marcas únicas.
O olhar da autora consegue não apenas enxergar, mas também relatar de maneira primorosa histórias que vão desde um funcionário do aeroporto que sonha em voar, mas não consegue até um macaco que, ao fugir da jaula parte para tomar uma cerveja, por exemplo.
É difícil não se envolver com a narrativa lírica e precisa da jornalista. É difícil não se entregar a essas vidas que ninguém vê e que, no entanto, nos lembram de enxergar além do óbvio. Nos lembra que é necessário deixamo-nos encantar novamente pela vida e também que cada vida é importante e única.
Uma leitura indispensável não apenas para os que trabalham com a notícia. Uma dose fundamental de beleza.
***
De lá, ressalto uma das crônicas/reportagens.
Na página 132 o leitor tem a oportunidade de conhecer Dona Maria, uma mulher de 55 anos que sempre sonhou com as letras e o conhecimento.
Apesar da vontade não teve oportunidade de estudar. Mesmo assim decidiu que seus filhos teriam um destino diferente do seu. Doa Maria então enfrentou muitas barreiras e dificuldades. Algumas delas vindas da própria casa como, por exemplo, através do marido que não concordava com a decisão da esposa em permitir que os filhos estudassem.
Mesmo assim Dona Maria se desdobrou e trabalhou em dobro para que seus filhos aprendessem a ler e a escrever. Com o tempo a situação de Doa Maria mudou e, aos 55 anos, ela própria conseguiu, enfim, partir em busca das letras e do tal conhecimento. Ainda assim enfrentou muitas complicações, mas não desistiu do seu sonho.
Reproduzo aqui um trecho da entrevista que Dona Maria concedeu a Eliane Brum (Págs. 134 a 136):
“LENDO O MUNDO
EB: Diga aí, dona Maria, o que a senhora está escondendo por trás dessas pestanas?
DM: É o seguinte. Eu me sentia a última das pessoas. Sei costurar, fazer roupa de homem, de mulher e de criança. Sei bordar, fazer crochê e tricô. Mas o que adianta isso sem saber ler? É como estar com sede e tomar refrigerante. Eu preciso de água.
EB: E o que é não saber ler?
DM: Não saber ler é o mesmo que ser cego. É não saber o que tem do outro lado da parede.
EB: E isso (saber ler) mudou a sua vida?
DM: Sabe flutuar? Quando pego meu caderno e leio, parece que tô flutuando. O mundo fica mais bonito, o céu fica mais azul e o verde, mais verde.
EB: O que dá dentro da senhora quando a senhora lê?
DM: Cada palavra que eu consigo ler é um horizonte que tá se abrindo na minha cabeça. E eu vou correr atrás dele. Ah, eu vou mesmo.
EB: E até onde a senhora vai com isso?
DM: Não sei onde as letras vão me levar. Tô bem desconfiada que isso não para mais.
EB: E afinal, o que é ler?
DM: É assim. Eu achava que letra era letra. Era como uma toalha de mesa. Não tinha vida. Esses dias tava no colégio, olhei e descobri que as letras têm vida. Eu leio e elas conversam comigo, me dizem o que eu preciso. Contam coisas que eu nem imaginava. Tipo “M” de Maria, né? É só um “M”, mas quando junta tudo, a Maria fala comigo. A Maria fica viva.”
Eu não sei o que me impressiona mais. Se a garra, a força de vontade e a determinação da Dona Maria, além da sua clareza em relação ao seu sonho. Ou se sua sabedoria. Sua perspectiva e interpretação.
Imagens: O silêncio dos livros.
Agora? Billie Holiday.
quarta-feira, 16 de março de 2011
Do que não se vê
Lendo A vida que ninguém vê (Eliane Brum). Ainda na página 47 de um total de 196, mas completamente encantada. De lá:
"O mundo é salvo todos os dias por pequenos gestos. Diminutos, invisíveis. O mundo é salvo pelo avesso da importância. Pelo antônimo da evidência. O mundo é salvo por um olhar. Que envolve e afaga. Abarca. resgata. Reconhece. Salva. Inclui." (Pág. 22)
"Não há nada mais triste do que enterro de pobre. Porque o pobre começa a ser enterrado em vida. Quem diz é Antonio, um homem esculpido pelo barro de uma humildade mais antiga do que ele. Um homem que tem vergonha até de falar e, quando fala, teme falar alto demais. E quando levanta os olhos, tem medo de ofender o rosto do patrão apenas pela ousadia de erguê-los." (Pág. 36)
"É necessário compreender que a maior diferença entre a morte do pobre e a do rico não é a solidão de um e a multidão do oitro, a ausência de flores de um e o fausto do outro, a madeira ordinária do caixão de um e o cedro do outro. Não é nem pela ligeireza de um e a lerdeza do outro.
A diferença maior é que o enterro de pobre é triste menos pela morte e mais pela vida." (Pág. 39)
Fotos tiradas por mim.
Agora? Regina Spektor.
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terça-feira, 15 de março de 2011
Mestres do cinema
Então lá fui eu em busca de mais uma edição das compilações de tirinhas do Snoopy na Saraiva, mas o que aconteceu? Saí da loja com mais uma edição da série Mestres do Cienama da Cahiers du Cinéma. Depois de Pedro Almodóvar, levei Tim Burton comigo hoje.
A série Mestres do Cienema apresenta introduções sobre grandes nomes da sétima arte (Alfred Hitchcock, Martin Scorsese, Clint Eastwood, Pedro Almodovar, Woody Allen, David Lynch, Steven Spielberg, Stanley Kubrick, Tim Burton e Francis Ford Coppola). Uma boa pedida para os interessados na área.
Agora? Tiê.
Snoopy
Depois de Assim é a vida, Charlie Brown (Schulz) viciei (!)
A L&PM tem dez volumes de compilações de tirinhas do Snoopy. Minha missão agora é adquirí-los. Desde o já citado Assim é a vida... (volume 3), voltei para o primeiro, Snoopy e a sua turma. Sempre muito bom.
Adoro tirinhas. Confesso que meus preferidos são Calvin e Macanudo, mas sempre me delicio com muitas outras. É o caso do próprio Snoopy, Garfield, Mafalda...
Em relação ao Snoopy, o engraçado é que sinto que sou um misto de Charlie Brown com Lucy (!).
Enfim.
Snoopy:
Agora? The Smiths + Trilha sonora do filme Adam + Florence + the machine
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sexta-feira, 11 de março de 2011
Factótum
Concluí a leitura de Factótum (Chales Bukowski) ontem. Meu companheiro de carnaval. A sensação que ficou foi de vazio. Falta de esperança. Como se avida fosse constituída de inúmeras opotunidades. Sendo a maioria delas uma verdadeira roubada, um disperdício e, no fim, não importa. Nada - ou quase nada - pode reverter essa situação. Nem mesmo se você repentinamente se encher de uma esperança inexplicável.
Ou ver que não.
Porque, afinal, o que são essas tais oportunidades? E qual seria a maneira "correta" de seguir adiante? Para onde seguir?
Sei que não fez muito sentido. A ideia era escrever sobre o livro, mas mudei de rumo.
Das páginas:
"Então chegou a festa de Natal. Era 24 de dezembro. Haveria drinques, comida, música, dança. Eu não gostava de festas. Eu não sabia dançar, e as pessoas me assustavam, especialmente as pessoas em festas. Elas tentavam ser atraentes e alegres e esperituosas e, embora esperassem exercer bem todas essas funções, fracassavam. Elas não eram boas nisso. O fato de tentarem com tamanho afinco só piorava as coisas). (Pág. 161)
Agora? The Smiths.
Ou ver que não.
Porque, afinal, o que são essas tais oportunidades? E qual seria a maneira "correta" de seguir adiante? Para onde seguir?
Sei que não fez muito sentido. A ideia era escrever sobre o livro, mas mudei de rumo.
Das páginas:
"Então chegou a festa de Natal. Era 24 de dezembro. Haveria drinques, comida, música, dança. Eu não gostava de festas. Eu não sabia dançar, e as pessoas me assustavam, especialmente as pessoas em festas. Elas tentavam ser atraentes e alegres e esperituosas e, embora esperassem exercer bem todas essas funções, fracassavam. Elas não eram boas nisso. O fato de tentarem com tamanho afinco só piorava as coisas). (Pág. 161)
Agora? The Smiths.
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domingo, 6 de março de 2011
sábado, 5 de março de 2011
Bukowski antes da folia
O carnaval rolando... mas antes de sair para ver Otto, Vanessa da Mata e Lenine, algumas mensagens de Bukowski:
"Minha ambição é consumida pela preguiça." (pág. 90);
"Francamente, eu estava horrorizado diante da vida, o que um homem precisava fazer para comer, dormir, manter-se vestido. Então fiquei na cama enchendo a cara. Quando você bebia, o mundo continuava lá fora, mas por um momento era como se ele não o trouxesse preso pela garganta." (Pág. 55);
"Eu lhe dei meu tempo. É tudo que tenho para oferecer. É tudo o que um homem tem a oferecer. E pelo quê? Para ganhar um dolarzinho chorado e 15 centavos por hora." (Pág. 94);
"Eu era um homem que se fortalecia na solidão; ela era para mim a comida e a água dos outros homens. Cada dia sem solidão me enfraquecia. Não que me orgulhasse dela, mas dela eu dependia. A escuridão do quarto era como um dia ensolarado para mim. Tomei um gole de vinho." (Pag. 33);
"O que nos diferenciava era a grana e o desejo de acumulá-la." (Pág. 52);
"Isto era tudo de que um homem necessitava: esperança. Era a falta de esperança que desencorajava um homem. Lembrei de meus dias em Nova Orleans, vivendo de duas barras de caramelo de cinco centavos por dia, ao longo de várias semanas, para ter tempo livre para escrever. Mas passar fome, infelizmente, não melhora a arte. Apenas a obstrui. A alma de um homem está profundamente enraizada em seu estômago. Um homem pode escrever muito melhor após comer um belo pedaço de filé acompanhado de uma dose de uísque do que depois de uma barra de caramelo de um níquel. O mito do artista faminto é um embuste..." (Pág. 52) (O trecho foi destacado por minha conta).
-> Trechos do livro Factótum de Charles Bukowski.
Agora? Vanessa da Mata para aquecer.
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sexta-feira, 4 de março de 2011
quinta-feira, 3 de março de 2011
Em fevereiro...
Balanço do mês:
1. Malu de bicicleta (idem/ 2010/ Dir. Flávio Tamberllini;
2. Cisne Negro (Black Swan/ 2010/ Dir. Darren Aronofsky);
3. Enterrado Vivo (Buried/ 2010/ Dir. Rodrigo Cortés);
4. O Vencedor (The Fighter/ 2010/ Dir. David O. Russell);
5. O Mágico (L'Illusionniste/ 2011/ Dir. Sylvain Chomet);
6. United States of Tara - 2ª Temporada;
7. Cisne Negro (Black Swan/ 2010/ Dir. Darren Aronofsky); (Revisto);
8. O Ritual (The Rite/ 2011/ Dir. Mikael Håfström);
9. The Walking Dead - 1ª Temporada;
10. O Discurso do Rei (The King's Speech/ 2010/ Dir. Tom Hooper);
11. Biutiful (idem/ 2010/ Dir. Alejandro González-Iñárritu);
12. Glee - 1ª Temporada;
13. Everybody hates Chris - 1ª Temporada.
Agora? Britney Spears.
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