quarta-feira, 30 de março de 2011

Sorte, acaso ou precisão?

Instinto e técnica se fundem no trabalho de um dos maiores nomes da fotografia

Consagrado como o pai do fotojornalismo, o francês Henri Cartier-Bresson (1908 – 2004), desenvolveu um vasto e marcante trabalho fotográfico desde o início dos anos 30 até a chegada dos anos 70. Seu olhar registrou momentos únicos em diversas partes do mundo como França, Índia, Rússia, Cuba e México, por exemplo. Seu legado ultrapassa as fronteiras físicas e temporais, permanece relevante e continua influenciando amantes da fotografia mundo afora.

Bordéis, celebridades, personagens políticos, pessoas comuns... Todos estiveram presentes na obra de Cartier-Bresson. Seu interesse principal estava na mensagem, no subtexto. Seu fascínio residia em enxergar além do ordinário, ver além da simples imagem retratada em uma mistura de sorte e rigor técnico. O próprio fotógrafo ressaltou em uma entrevista ao documentário Henri Cartie-Bresson – L’amour tout cort (Dir. Raphaël O’Byrne) a importância de não apenas olhar, mas sim enxergar o que se está fotografando.

Durante cerca de quatro décadas trabalhou apenas com filmes em preto e branco e, ao contrário de alguns fotógrafos, não realizou séries específicas nem se focou em temáticas pré-definidas. Seu olhar esteve sempre a favor do momento decisivo, termo que deu título ao livro publicado em 1952. Nele, consagrou-se a ideia de buscar o instante por meio da fotografia que ajudou a definir o pensamento do fotógrafo.

Bresson representa um dos principais nomes da fotografia do século XX, mas seus interesses foram além dessa manifestação artística. Amante da música, estudou flauta quando criança, mas percebeu que esse não seria o seu meio de expressão após constatar que não tinha o ouvido necessário.

Aventurou-se, inclusive, pelo cinema através de três contribuições para o cineasta Jean Renoir e também de alguns documentários. Foi apenas um flerte com a sétima arte que Bresson não levou adiante. Seu verdadeiro fascínio dizia respeito à vida real. Consequentemente, no campo cinematográfico identificava-se mais com o documentário do que com a ficção, mas ainda assim priorizou a fotografia.

O amor declarado do fotógrafo consistia na pintura e no desenho que começou a estudar aos 15 anos de idade. Após décadas dedicadas à fotografia, Cartier-Bresson aposentou a máquina fotográfica nos anos 70 em favor dos seus cadernos de desenho.

Sobre tempo, fotografia e desenho, Bresson afirma em entrevista à jornalista Sheila Leirner pelo Estado de São Paulo que “A fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre em uma fração de segundos, o que é, ao mesmo tempo, desagradável e maravilhoso. Trata-se de uma luta contra o tempo, que, por sua vez, é uma invenção do homem. É preciso esquecer de si mesmo e da nossa vontade, não querer nada e deixar as coisas virem sozinhas, como ensina o budismo. Com o desenho, tudo está ali à espera, o tempo é praticamente infinito.”

Diante dessa tão vasta contribuição é possível destacar uma foto em especial que consegue traduzir bem ideias e conceitos que o fotógrafo procurava propagar:


A famosa fotografia mostra um homem saltando diante de uma poça de água, segundos antes que seu pé encontre o chão. Não podemos ver exatamente quem seria o homem em questão, mas é possível perceber a dinâmica e a beleza do momento. Um exemplo prático do já mencionado instante decisivo. Essa mesma fotografia ajuda a compreender um aspecto fundamental do próprio Bresson: a humildade que o permite admitir a importância da técnica, do enquadramento, da luz, mas também da sorte e do próprio acaso.

Ao contar a história por trás desta fotografia Bresson explica que a lente da câmera estava entre as grades e que, portanto, ele não conseguia enxergar o que estava fotografando. Sorte? Ele admite que sim. E diz mais, explica que sempre é uma questão de sorte. Ao revelar que uma de suas fotografias mais conhecidas foi concebida nessas condições ele vai além da simples alegação de sorte. Demonstra claramente o seu instinto fotográfico. Revela de maneira prática aquilo que propagou em tantas entrevistas: que a fotografia não se ensina. Que o olhar fotográfico não pode ser passado adiante. Ou se tem ou não se tem. E então voltamos ao começo dessa discussão: ou se enxerga verdadeiramente ou apenas se olha o objeto fotografado.

Instinto, técnica e sensibilidade se fundem no trabalho desse mestre da fotografia. Essa talvez seja a diferença mais palpável entre bons e excelentes fotógrafos. Afinal, manejar uma câmera pode não ser muito complexo, mas ir além do primor técnico e sentir a fotografia são aspectos fundamentais para tirar o extraordinário até das cenas mais comuns como, por exemplo, o salto diante de uma poça de água ou mesmo uma bicicleta passando em uma rua.

A composição das suas fotografias sempre tão simétricas com objetos e pessoas localizados estrategicamente no decorrer do enquadramento, o cuidado com a luz e o contraste e a capacidade de registrar momentos únicos representam bem o seu legado.

As fotografias são bem iluminadas e costumam apresentar um resultado geometricamente bem pensado com figuras dispostas no enquadramento quase como que em uma pintura. Ou seja, Bresson prioriza o instante, o momento e, por isso conta com o acaso. No entanto, não abandona o rigor técnico. Pensa e estrutura a imagem antes de cada click.

Uma história construída através de muito trabalho, dedicação e talento. A câmera, uma extensão do seu olhar e da sua sensibilidade.

Nenhum comentário: