quinta-feira, 8 de abril de 2010

O Livro de Eli (The Book of Eli)


O Livro de Eli (The Book of Eli)
EUA/ 2010/ 118
Direção: Allen Hughes e Albert Hughes
Roteiro: Gary Whitta
Elenco: Denzel Washington, Gary Oldman, Mila Kunis, Ray Stevenson, Jennifer Beals, Evan Jones, Joe Pingue, Frances de la Tour, Michael Gambon.


Tenho problemas com temáticas religiosas. Pronto, falei. Mais especificamente quando se mostram como a grande solução ou como o único caminho. No entanto não me incomodo quando apresenta uma visão crítica.

Tenho também um problema com expectativa. Por vezes não gosto de um filme porque esperava mais dele ou vice-versa. A questão é que é difícil atingir suas expectativas e isso torna tudo mais complicado quando se espera muito de alguma coisa.

Aqui o caso foi diferente: não esperava absolutamente nada positivo e talvez isso tenha ajudado a ganhar a minha simpatia. Além disso, acreditava que o longa se tratava apenas de uma visão panfletária, mas percebi que mais de uma leitura pode ser realizada.

Após uma grande guerra o planeta foi destruído. Praticamente nada do que se conhecia permaneceu. Tudo está seco, sem cor e sem vida. Poucas pessoas resistem e a barbárie voltou a tomar conta da Terra de maneira mais explícita. A água é um bem escasso e a sobrevivência é difícil.

Eli é um dos poucos humanos que restaram do período pré-guerra. Vaga pelos caminhos em busca do seu destino: o oeste. Segue seus dias fazendo o necessário para se manter vivo e atingir o seu objetivo. Trata dos percalços do caminho da melhor maneira possível e tenta não arrumar problemas.

Sua vida se complica ao chegar a uma pequena comunidade humana no melhor estilo faroeste com direito a capangas, um líder no estilo xerife e um bar decadente. Lá encontra Carnegie (Gary Oldman), o tal líder do local.

Carnegie passa a vida em busca de um livro que contém as palavras capazes de dominar as pessoas. Ele pretende expandir suas posses e sabe que tal arma o ajudará a atingir seus objetivos. Ele e Eli são do mesmo período e os dois são pessoas letradas – coisa rara no pós-guerra, mas esse encontro se apresenta conflituoso. Embora Carnegie deseje unir forças, Eli é um homem solitário, não se interessa pelas ofertas feitas a ele. Além disso, Carnegie acredita que Eli pode ser a chave para o tal livro.

Pois bem, o mundo apocalíptico não é novidade. Inclusive, em 2007, Will Smith apresentou Eu Sou a Lenda que segue a mesma linha. Mas o fato é que algo batido pode apresentar aspectos interessantes e O Livro de Eli consegue isso.

Primeiramente vale ressaltar que esse filme se enquadra no estilo arrasa quarteirão. Na linha grande ator (Denzel Washington) em um mundo destruído. O mocinho precisa atingir seus objetivos matando muita gente pelo caminho. Ou seja: cenas de ação.

Dito isso, certas opções de direção se mostram surpreendentes. Por exemplo: O espectador é apresentado ao protagonista que segue o seu caminho de maneira solitária sem falar nada. São vários minutos de silêncio e calmaria antes que se apresente a ação.

A abertura do filme nos leva a uma terra em tons de sépia quase monocromática que segue dessa maneira por quase todo o percurso. As cores se mostram como indicadores da vida humana. Uma vez que, no início, Eli está sozinho rodeado apenas por terra seca e eventuais cadáveres, as cores são quase inexistentes. À medida que seu caminho se aproxima de outros seres humanos essas cores se transformam de maneira sutil abrangendo outras tonalidades além do cinza, marrom e preto que, no início, fundiam-se quase em uma única.

É interessante abordar os primeiros minutos de uma super produção dessa maneira. Apostando no silêncio e na construção calma do ambiente e do personagem. Além disso, as cenas de ação muitas vezes optam pelo plano – seqüência ao invés dos costumeiros cortes frenéticos.

Outro aspecto interessante é como as situações não são explicadas de maneira exaustiva. Não espere saber o que aconteceu com o planeta de maneira mastigada. As pistas são dadas, as questões lançadas e determinados aspectos são apresentados, mas de maneira a serem reconstruídos pelo espectador. O importante é o futuro e não o passado.
É bom saber que um filme dessa escala aposta nas entrelinhas.

















* Spoiler!

Como a grande maioria das pessoas deve saber, o tal livro do título é a bíblia. Após a grande guerra todos os exemplares foram queimados, exceto pelo que Eli carrega consigo diariamente - fonte de sua confiança, fé e determinação.

Carnegie acredita que pelo menos uma deve ter se salvado e conhece o poder da obra. Acredita que para dominar o máximo de pessoas e impor as suas ordens, desejos e leis, precisa lançar mão das poderosas palavras milenares que, para ele, foram capazes de cegar milhões durante séculos.

Teria sido a tal última guerra realizada em nome de Deus? Afinal por que todas as bíblias precisavam ser queimadas? Essa é umas das questões que ficam.

Li algumas críticas que falavam como O Livro de Eli se tratava de um filme panfletário de uma mensagem forçada e duvidosa. Pois bem, essa é uma leitura possível. E, de fato, a fé e a determinação são o que mais chama a atenção aqui. Esses elementos são os responsáveis por cada passo do protagonista. E isso pode ser perigoso – é ainda hoje.

Acho estranho também quando uma personagem do pós-guerra que não conhecia absolutamente nada a respeito da religião, de Deus ou de qualquer coisa desse tipo é tocada instantaneamente por uma simples oração antes de uma refeição direcionada ao Senhor. A personagem se mostra curiosíssima a respeito do tal livro carregado por Eli, mas em nenhum momento questiona a oração ou se pergunta quem seria esse tal Senhor. Não se encaixa. E a crença acaba surgindo como algo cego a que não se precisa questionar – no sentido de refletir - de perceber do que se trata e como utilizá-la mesmo para o bem.

Entretanto críticas são feitas. Quando Carnegie trata a bíblia como uma arma aí está uma direcionada aos que abusam da fé para dominar pessoas inocentes, ignorantes.

Ao mesmo tempo o próprio Eli, que lê o livro sagrado diariamente, percebe ao fim do filme, que não basta ler aquilo tudo. Que é preciso colocar os ensinamentos em prática. Que é preciso refletir sobre o que se lê. Temos aqui também mais uma crítica, uma vez que muitos conhecem a bíblia inteira, mas são incapazes de praticar o bem. Outros freqüentam igrejas, mas não pensam sobre o que escutam, vivem para si.

Além disso, a missão de Eli é levar as palavras sagradas para um local de “resistência” onde a humanidade tenta se reerguer através do conhecimento. Lá as pessoas pretendem reunir as obras de arte que permaneceram intactas. Os livros são uma parte dessas obras. Quando a bíblia é colocada em uma prateleira está ao lado de outras obras religiosas. Temos então o encontro de idéias e ideais não apenas uma única mensagem. O conhecimento precisa ser preservado.

Spoiler!

Mais um aspecto interessante é a revelação do final. Para os mais atentos ao longo do filme são revelados índices que indicam a condição peculiar de Eli, mas eles se apresentam de maneira sutil, por isso a maioria dos espectadores devem se mostrar surpresos com a pequena revelação – sim, trocadilho infame. Outra questão que fica: seria Eli um simples homem de fé ou algo mais?













Agora? Emiliana Torrini.

2 comentários:

ALUISIO CAVALCANTE JR disse...

Olá.

Alguns filmes têm
o encanto de nos
conquistar pela inteligência.
Não assisti ainda este filme,
mas a descrição é tão
bem feita,
que certamente irei vê-lo.
Quanto aos livros
são sempre poderosos,
pois semeiam idéias.
Idéias transformam o mundo
para o bem ou para o mal.


Que o amor tome conta de ti.

Beolina disse...

"Alguns filmes têm
o encanto de nos
conquistar pela inteligência"

Tive que copiar esse trecho pq resumiu bem o que eu senti sobre esse filme, mas não sabia que palavra usar.

Mas é isso: é um filme inteligente, que trata de um tema que não preza exatamente pela originalidade mas, ao contrário de outros filmes do mesmo gênero, foge do clichê exageradamente moralista ou exageradamente movimentado pra esconder um roteiro mal aproveitado.



****SPOILER****


Quanto à revelação final, fiquei encantada por ter sido inesperada e, ao mesmo tempo, ter sido insinuada durante todo o filme. Os movimentos de Eli, sempre tão contidos, o jeito de falar, o olfato desenvolvido... enfim, muito bom! O Denzel foi perfeito pro papel e o Gary Oldman, versátil como sempre. Sou fã dos dois.