segunda-feira, 6 de junho de 2011

Depois daquela manhã


Há muito que o querido Lucas Lima me falou sobre o blog Para Francisco de Cris Guerra, a mesma do Hoje vou assim. Na verdade, ele me falou sobre o blog e, principalmente, sobre o livro homônimo baseado nele.

Pois bem, Para Francisco, blog e livro, foi feito por uma viúva prestes a ter o seu primeiro filho. A apenas dois meses do parto, o pai da criança faleceu e a autora dos textos se viu em uma situação completamente inesperada e desesperadora, em um total misto de emoções. A tristeza e a dor da perda e da ausência se misturavam à alegria e ao amor do primeiro filho. Os textos encontrados no blog representam uma maneira que ela encontrou de falar ao filho, Francisco, sobre o seu pai que, infelizmente, não poderia mais vê-lo crescer de perto como o planejado. Foi também uma maneira que a própria mãe encontrou de manter nítida a lembrança do marido e de lidar com as emoções. Uma linda declaração de amor.

Na semana passada eu finalmente visitei alguns textos do blog e comecei de maneira intensa: seis meses depois daquela manhã. Palavras tão sinceras. Amor, dor, saudade, felicidade... tudo tão forte que não aguentei, as lágrimas correram soltas.

Compartilho aqui:

"6 meses desde aquela manhã

A primeira vez que seu pai fez café da manhã pra mim, Francisco, ele trouxe
um ovo quente com torradinhas cortadas em lascas, dispostas no prato como
uma fogueirinha.

Seu pai cozinhava que era uma delícia. Mais gostoso ainda era ver o prazer
que ele sentia ao preparar um prato qualquer – mesmo um simples sanduíche.

Bastava parar ao lado dele e dizer que estava com fome para ouvi-lo
perguntando animado: “O que você quer comer?” E um simples ovo frito virava
a comida mais gostosa do mundo.

E não era preciso ser apaixonado pelo seu pai pra achar isso.

Ele era um cara presente nas pequenas coisas da vida. Não nos dias de festa,
tomando champanhe - no dia-a-dia mesmo. Mas se fosse preciso, ele também
providenciava o champanhe em plena segunda-feira à tarde.

Seu pai acordava cedo, olhava pro céu azul e comemorava. Sorvia cada raio de
sol fazendo alguma coisa simples, mas bem gostosa. Não passava um dia sem
dar um abraço quente em alguém. E nos raros dias em que tinha preguiça de
acordar, esperneava na cama feito criança. Você precisava conhecer o olhar e
o sorriso de criança que seu pai tinha. Vocês iam brincar horas juntos.

Papai e Mamãe também passavam horas rindo juntos. Cantavam juntos ao longo
de toda viagem. Faziam piada de tudo. Ríamos também nos emails que
trocávamos, nos telefonemas. Imagine, Francisco, que ele gostava de ver a
novela das oito com a Mamãe. Era delicioso fazer e falar qualquer bobagem
com ele, como também era bom ficar em silêncio. É que com o Papai a Mamãe
sentia aquela sensação quase de alívio que a gente tem quando encontra o
amor de verdade. Um dia você vai saber o que é isso.

O amor do Papai pela Mamãe, Francisco, fez parte da vida dela antes mesmo
da gente namorar: na geléia de morango que ele mesmo fazia, no queijo que ele
trazia pra Mamãe sempre que ia ao Mercado Central, no abraço de todo dia de
manhã, no jeito especial de ajudar a Mamãe no trabalho ou mostrar uma dica,
um caminho mais fácil pra fazer uma coisa qualquer. Seu pai era uma presença
que trazia delicadeza pra vida da gente.

A gente nunca morou juntos, mas brincávamos de casados de sexta a
domingo. E era muito gostoso.

Quando eu estava esperando você, com aquele barrigão, era seu pai quem fazia
supermercado pra mim. O último, eu me lembro bem: ao abrir as sacolas, entre
um item e outro da lista, encontrei chocolate, azeitonas pretas bem grandes,
biscoitos, frutas fresquinhas e o meu sorvete predileto.

O vidro de azeitona ainda durou muito tempo na geladeira, mesmo depois que
seu pai deixou esse mundo, me fazendo lembrar as palavras da sua bisavó
Juju: “Que absurdo as coisas durarem mais do que as pessoas”.

E acredite, Francisco: naquela manhã de 17 de janeiro, na minha geladeira,
tinha um pote de geléia de morango que ele sempre preparava pra mim. E foi
por volta das nove da manhã que eu comi a última colherada.

Ele me deu tanto amor, filho, que até a falta dele me deixou presentes.
Com ela eu descobri quantos amigos eu tenho. E a Mamãe, que sempre foi tão
independente, aprendeu a dizer “Preciso de você”. E não passa um dia sem ver
um amigo, sem falar ou ouvir uma palavra de carinho. Chama as pessoas de
queridas – e é sincero. Mamãe herdou os amigos dele e herdou também o amor
dele pelos amigos.

Pra Mamãe Papai deixou de presente uma família nova que, como você, ela
aprende a conhecer a cada dia. Que bom ter família de novo, meu filho. Que
jeito lindo seu pai encontrou de continuar vivendo.

Vejo você crescendo e penso em como o Papai ficaria feliz ao ver você tão
parecido com ele. Fico em dúvida se ele lhe daria banho ou trocaria fralda
de cocô. Se ele aprovaria as nossas escolhas, essas que faço sozinha. Mas de
algumas coisas eu tenho certeza, meu filho: ele adoraria fazer você dormir.
E chegaria mais cedo em casa pra ver você acordado. E levaria você pro clube,
pra passear no mato. E cantaria pra você.

Não consigo entender como seu pai desapareceu, mas também não sei explicar o
milagre do seu aparecimento, Francisco. Só sei que 2007 é o pior e o melhor
ano da minha vida.

Eu conto tudo isso pra você, meu filho, porque preciso contar pra mim mesma.
É que pra dar conta da morte a gente arranja uma espécie de esquecimento,
não da pessoa, mas da sensação que a gente tinha ao lado da pessoa. E eu não
quero esquecer seu pai, Francisco, porque quero que você o conheça bem.

Porque muito antes de o coração dele parar, ele ouviu o seu coração bater. E
chorou. Ele viu você desde que você só tinha sete milímetros até chegar a
uns trinta centímetros. E se orgulhou ao ver minha barriga crescer. E disse
que te amava, falando bem pertinho da barriga. E disse “Que gostoso!” ao ver
o seu pezinho no ultrassom. E gravou uma seleção especial de músicas
clássicas pra você. E desenhou a parede do seu quarto – mas achou que ainda
não estava à sua altura. E apertou junto ao peito as roupas e sapatinhos que
compramos pra você, chorando só de pensar na emoção que seria ver você
chegar. E parou de fumar, coisa difícil de se fazer, pra poder viver mais
tempo junto de você. Ele te amou muito, Francisco. Você nem imagina. E foi
muito mais feliz depois de saber que você existia.

Hoje estamos assim: Papai em algum lugar bem bonito e a Mamãe aqui,
nós dois a cuidar de você, filho, e em você o amor que nos une feito mágica.
Como ele mesmo dizia, a gente faz uma grande dupla.

Se era a hora de o Papai ir, você foi o jeito que Deus encontrou pra gente
continuar vivendo esse amor. Esse amor que não cabe." (Cris Guerra)

Imagem: Liniers.

Agora? Javiera Mena.

Um comentário:

Nick disse...

:)

também lembrei de tu.
:*