sábado, 5 de fevereiro de 2011

"Em quem devo acreditar?"


Essa semana me deparei com um texto de André Barcinski. Uma interessante avaliação sobre o papel do crítico, a expectativa do leitor e as tais subjetividades.

Compartilho (gostei particularmente do trecho em negrito):

"Cisne Negro: filmaço ou abacaxi?
(por André Barcinski)

Ilustrada publicou duas críticas do filme Cisne Negro, de Darren Aronofsky, que estréia hoje. Uma, do Inácio Araujo, que não gostou do filme. Outra, minha, que adorei.

A Ilustrada faz isso de vez em quando: contrapõe duas opiniões diferentes na mesma página. O mesmo aconteceu no lançamento de Invictus, de Clint Eastwood, quando as opiniões se inverteram: o Inácio curtiu, e eu não.

Acho atitudes como essas ótimas. Quanto mais gente falando de filmes, melhor.

Mas alguns leitores parecem não entender. Recebi vários e-mails estranhando a publicação de duas críticas antagônicas. “Afinal, a Folha gostou ou não do filme?” Dizia um leitor. “Em quem devo confiar, em você ou no Inácio?” perguntava outro.

Minha resposta é: não confie em ninguém. Desconfie de todos. Assista ao filme e tire suas próprias conclusões.

Outro leitor escreveu: “Eu não entendo o que é crítica de cinema... Se vocês levam mais para o pessoal ou para o técnico. Acho que é mais para o subjetivo (...) Ora, se é subjetivo, deixe que eu mesmo assista e critique o filme!”

Como eu responderia a isso?

Em primeiro lugar, acho que a crítica é subjetiva sim. E a opinião de uma pessoa sobre determinada obra depende de uma série de fatores: de sua formação, gosto pessoal, preferências estéticas, etc.

Acredito que a função do crítico é, em primeiro lugar, tentar arrebatar o leitor, tirá-lo da zona de conforto e fazê-lo refletir sobre o filme. E isso vale tanto para críticas positivas quanto negativas.

O que leva a uma questão importante: por que as pessoas parecem gostar só das críticas com as quais concordam?

Comigo sempre ocorreu o oposto: eu sempre gostei mais de ler críticas contrárias à minha opinião.

Gosto de me sentir abalado por uma opinião diferente. Acho que isso nos faz refletir por ângulos que preferimos ignorar. Você pode até não mudar de opinião, mas acho que isso vale mais do que só ler críticas que corroboram o que você pensa.

Por exemplo: eu adorava ler os textos do Paulo Francis, apesar de não concordar com quase nada do que ele escrevia. E não perco um texto do Rubens Ewald Filho, mesmo discordando de 99% de suas avaliações de filmes.

Também gosto muito de ler o Inácio escrevendo sobre o Clint Eastwood, diretor que ele adora e que eu acho supervalorizado.

A minha crítica de cinema predileta é Pauline Kael (1919-2001), da New Yorker. Tenho quase todos os livros dela, e percebo que os textos de que mais gosto são os que vão contra a minha opinião.

Outro dia revi Nashville, do Robert Altman, e fui ler o que Pauline tinha escrito sobre o filme. Ela tinha gostado exatamente de tudo que eu menos curtia.

E o que falar do Rex Reed, do New York Observer? O sujeito detonou um de meus filmes prediletos de 2010, Ilha do Medo, do Scorsese, e elegeu o insosso O Discurso do Rei o melhor filme do ano. Mesmo assim, adoro ler as tiraras vitriólicas e insanas do cara (só concordei com a detonada histórica que ele deu em A Origem, do Christopher Nolan).

Em 2005, Reed escreveu o seguinte sobre um filme sul-coreano que eu amo, Oldboy: “O que esperar de um país enfraquecido por kimchi, uma mistura de alho cru com repolho enterrada no chão até apodrecer e depois tirada da sepultura e servida em potes de barro vendidos como souvenir no aeroporto de Seul?”

Genial. E olha que eu não só adoro Oldboy, como adoro kimchi também."

Agora? Manu Chao.

4 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

estou doido pra assistir esse filme.

Natali Assunção disse...

É muito bom!

wolver disse...

O que diferencia críticas e críticos é a capacidade de ultrapassar seus preconceitos através de uma análise que esteja além do julgamento, mas sim da compreensão e da percepção do que efetivamente está acontecendo na tela e no ambiente do cinema. Uma fenomenologia crítica, tenha ela elementos semióticos, desconstrucionistas ou políticos é melhor que mera opinião pessoal.

A crítica de jornais no Brasil, e em outros lugares, acabam se pautando mais por doxa do que pela necessária episteme que diferenciaria a crítica especializada da mera opinião do consumidor enquanto elemento da massa, do público. Paulo Emílio Salles Gomes e Jean Cleaude Bernadet são exemplos que deviam ser seguidos na produção de boa crítica de cinema no país. A opinião guiada pelo subjetivo deve ser contextualizada em um diálogo com o que é projetado na tela, não apenas uma interação na cabeça do crítico.

Penso também ser um problema quando a crítica jornalística não é bem informada e faz, inadvertidamente, análises generalistas e rotulantes tipo: "produção hollywoodiana", "cinema de arte" etc, que buscam enquadrar obras singulares dentro de uma embalagem construida e re-construída mentalmente, e claro, alimentada por conceitos pré-estabelecidos em sua mente. Assim sendo, uma boa compreensão de estética, conhecimento de história do cinema e o mínimo de respeito pelo trabalho de muitas pessoas são o mínimo que deveria ser estabelecido como um padrão ético para a categoria de crítico. Infelizmente, não vejo isso na Folha de S. Paulo, nem no A Tarde, nem no JC, nem no DP, nem no SF Chronicle, nem no Hindustan Times. Vejo na New Yorker, NY Times, El País. Outros não sei.

Agora sendo bastante subjetivo, amei e odiei Cisne Negro, e objetivamente é fácil reconhecer o trabalho brilhante da equipe do filme e a visão do diretor. Com certeza merece ser visto e melhor analisado. Até agora a melhor crítica que li foi feita por uma professora de Ballet e postada no mural do Studio de Danças.

Atenciosamente,
Claudio

Caleidoscópio disse...

É mesmo complicado. Há muito achismo e sinopses de filmes atuando como crítica mundo afora. Infelizmente acho difícil reverter completamente essa situação...

No entanto, como vc mesmo ressaltou, ainda há bons críticos atuando. Capazes de analisar e argumentar. Enfim, de embasar as suas opinioões e isso nos dá uma certa esperança=)