terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Das lembranças


O texto de hoje do André Barcinski é bonito e delicado. Não resisti:

People take pictures of each other,
Just to prove that they really existed,
People take pictures of each other,
And the moment to last them for ever,
Of the time when they mattered to someone


“As pessoas tiram fotos de outras
Só para provar que elas realmente existiram
As pessoas tiram fotos de outras
para que o momento dure para sempre
o tempo em que elas importavam para alguém”

People Take Pictures of Each Other (Ray Davies/ Kinks)

"Você já parou pra pensar em como guardamos lixo em casa?

Como escrevi ontem, estou no meio de uma mudança. E nada como uma mudança de endereço para nos obrigar a fazer uma limpeza.

Passei os últimos dias revirando caixas e mais caixas de velharias.

São papéis, documentos, fotos, extratos bancários, contas, quinquilharias, enfim, uma infinidade de coisas que ocupam espaço e acumulam poeira e traças.

A experiência pode ser catártica.


Dentro de uma caixa velha que você não abre há 15 ou 20 anos, pode encontrar alguma coisa que te lembre de algum episódio ou pessoa. Pode ser uma lembrança boa, ou uma que você preferiria esquecer.

Todo mundo já passou por isso.

Hoje de manhã, abri uma caixa cheia de fitas cassete. Numa delas estava escrito: “R.A”.

Fui jogar a fita no lixo. Num impulso, mudei de idéia e botei a fita pra tocar num velho boombox.

Era uma entrevista com o diretor Robert Altman, feita em 1994.

A entrevista não era lá grande coisa. Mas só ouvir a voz dele – Altman morreu em 2006 – foi emocionante. A voz de um morto.

Comecei a revirar outras caixas.

Fotos e mais fotos. Festas, viagens, passeios, roupas esquisitas. Gente que esqueci.

Achei uma foto grande, preto e branca, de uma excursão a Foz do Iguaçu. Pelo meu tamanho, devia ser de 1978 ou 79.

Não conheço ninguém ali, a não ser minha avó. Guardei a foto.

Por quê?

Porque guardar uma fotografia que eu não via há 30 anos e que provavelmente vai passar mais 30 mofando em outra caixa?

Seria por medo de desrespeitar aquelas pessoas que estavam ali, na foto?

Tem gente que não consegue jogar nada fora.

Minha avó Sara é assim.

Há alguns anos, fizemos uma limpeza na casa dela. Achamos sacolas de um supermercado que tinha falido em 1989.

Ela tinha frascos fechados de aspirina expirados desde 1982. Pensei até em mandar para algum museu da Bayer. Devem valer muito para alguém.


Uma história curiosa:

Por volta de 1996, Ivan Finotti e eu estávamos escrevendo a biografia de José Mojica Marins e fomos ao interior de Sâo Paulo entrevistar o grande Rubens Francisco Luchetti, roteirista de vários filmes e programas de TV de Mojica.

Luchetti nos contou que soube de Zé do Caixão em meados dos anos 60, por intermédio de um amigo. Segundo ele, o tal amigo lhe escrevera uma carta contando como ficara impressionado com um filme de Mojica.

Falei: “Pô, Luchetti, você lembra mais ou menos o que ele dizia na carta?”

Ele respondeu: “Espera um pouco”, e saiu da sala. Voltou alguns minutos depois, com a carta, imaculada, que ele guardara por 30 anos dentro de um plástico. Inacreditável.

Luchetti tinha também todos os roteiros – foram dezenas – que escreveu para os programas de TV de Mojica, encadernados, com datas de exibição e anotações sobre cortes exigidos pelas emissoras ou pela Censura.

Admiro pessoas assim. Até porque não tenho a disciplina delas.

Meu avô, Paulo, também era assim. Anotava tudo.

Morreu em 1982 e nos deixou uma biblioteca gigante.

De vez em quando abro um livro dele e encontro algum papel com uma anotação. Geralmente são coisas sem importância – lembretes para ele próprio, ou impressões sobre o livro.

Mas sempre me toca ver que aquele objeto teve importância para ele.

Talvez Ray Davies esteja certo: a gente guarda fotos – ou livros, ou fitas, ou ímãs de geladeiras, ou flâmulas, ou roupas – para lembrar que aquilo, certa vez, significou algo para alguém." (André Barcinski)


Também sofro do mal de quem guarda quinquilharias. Vez por outra (ok, de muitos em muitos tempos) faço uma limpeza, uma geral e procuro separar o lixo das recordações, mas tem sempre algum objeto que eu não consigo jogar fora. Apego? Pode ser bom e também ruim, mas tenho certeza de que vale a pena preservar algumas coisas.

Fotos tiradas por mim.

Agora? Paramore e a trilha sonora de Adam.

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