sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Simplicidade cinematográfica


Isabel Coixet, a morte e a beleza de viver

Minha Vida Sem Mim (Mi Vida Sin Mi)
2003/Espanha/ Canadá/ 106min
Direção: Isabel Coixet
Roteiro: Isabel Coixet, baseado em livro de Nancy Kincaid (Pretending the bed is a reft)
Elenco: Sarah Polley , Scott Speedman , Deborah Harry ,Mark Ruffalo , Leonor Watling

A morte é um tema recorrente nas artes. Diversas representações artísticas abordam essa temática a fim de retratá-la à sua maneira. Nada mais natural uma vez que a morte é palpável para qualquer ser humano, além de ser a única certeza absoluta que todo indivíduo tem na vida.

Indo um pouco mais adiante, uma história cujo ponto de partida é o momento em que uma jovem descobre que está prestes a morrer e então decide fazer uma lista de coisas que precisa realizar antes de deixar esse mundo não poderia ser mais simples. Especialmente no cinema, meio que já recorreu a esse plot outras vezes como, por exemplo, com Um Amor para recordar (A Walk to remember/ EUA/ 2002) que abordou o tema na adolescência e também com Antes de Partir (The Bucket list/ EUA/ 2007) cujo foco é a terceira idade.

Mas como acontece com muitas obras cinematográficas, vez por outra um cineasta consegue resgatar um tema recorrente e apresenta uma obra marcante e bem elaborada. Esse é o caso da espanhola Isabel Coixet que exatamente a partir desse plot, construiu o longa Minha vida sem mim.

Ann (Sarah Polley, com quem a diretora repete a parceria em 2005 em A Vida Secreta das Palavras) tem 23 anos e é mãe de duas meninas, Patsy e Penny. É casada com seu namorado da adolescência, Don, e a família vive em um pequeno trailer localizado no quintal da casa da mãe da jovem.

Don trabalha em empregos temporários construindo piscinas. Já Ann limpa uma universidade à noite. Apesar da vida difícil o casamento e a família são felizes, mas essa estabilidade está prestes a mudar quando ela descobre que tem um tumor e que lhe resta pouco tempo de vida.

Ann decide não falar com ninguém sobre a doença e faz uma lista das coisas que precisa fazer antes de morrer. A lista em questão é composta por desejos e necessidades comuns que poderiam ser até banais para a maioria das pessoas. Como por exemplo: colocar unhas postiças e mudar o cabelo.

Mas para Ann esses detalhes são relevantes. Ela teve que enfrentar a vida adulta muito cedo. Desde os 17 anos, quando descobriu a sua primeira gravidez, viu-se envolvida em uma vida familiar gratificante, mas que deixava quase (ou nenhum) tempo para ela mesma. Agora, Ann vai olhar para si mesma pela primeira vez e, sem esquecer daqueles que ama, vai colocar as suas necessidades em primeiro plano. Ela inicia então um processo de auto - descoberta e segue em busca de seus sonhos há tempos esquecidos.

Não se trata de uma história de heróis nem de modelos para a sociedade, mas sim de uma pessoa comum que precisa se conhecer e redescobrir a vida antes de morrer.
A produção foi fruto da El Deseo, produtora dos irmãos Augustín e Pedro Almodóvar e a direção de Coixet é precisa. Um tema como esse poderia resultar em um filme melodramático recheado de lições de moral. Ao invés disso, Minha vida sem mim é elaborado de uma maneira extremamente simples (mas nunca simplória) que se sustenta na narrativa em si, na competência dos atores e na realização técnica.

O filme segue uma estética naturalista que se apoia na aproximação do real. A fotografia procura registrar pessoas e objetos como eles seriam na realidade, o que também acontece com a maquiagem, figurinos e com a direção de arte. É como se tal decisão mostrasse que o verdadeiro foco estivesse na história em si, nos personagens e não na técnica do filme. O que não significa que a última tenha sido relegada ao segundo plano. Pelo contrário, ela é minunciosamente pensada e extremamente bem realizada, mas sempre em função da história e das emoções.

A montagem é fluida. Para isso, as cenas se sucedem de maneira natural sem mudanças ou cortes abruptos. Utiliza-se muito, por exemplo, o slow como uma ferramenta que mostra Ann em um ritmo distinto dos demais. Ela não está mais inserida na vida comum. Ela sabe que vai morrer logo e é guardiã desse segredo. Ela vive em um ritmo próprio que, apesar da proximidade da morte (ou até mesmo por isso), mostra-se mais lento do que os demais.

Para a composição dessa montagem “fluida”, utilizam-se planos longos sem muitos cortes e, principalmente, sem cortes rápidos e frenéticos tão comuns em filmes de ação e clipes musicais, por exemplo. São cenas repletas de slows e fades, instrumentos que ajudam a desacelerar o ritmo. Em contrapartida, as cenas se mostram mais dinâmicas em momentos de tensão como acontece, por exemplo, no momento em que Ann descobre que está doente. Nesse momento os cortes se apresentam um pouco mais rápidos do que no restante do filme e a montagem segue uma linha diferente. Passa a cortar de um local para esse mesmo local. Um pouco como acontecia na nouvelle vague quando se ia de um personagem para ele mesmo. Acontece, mas de uma maneira tão fluida que se torna natural.

A trilha sonora consegue estabelecer o clima do filme, além de pontuar a narrativa de maneira competente. Assim como acontece com a edição e com os demais aspectos técnicos, sem excessos. Em Minha vida sem mim, tudo é bem dosado.

Além disso, Coixet recorre diversas vezes ao artifício da câmera na mão. Câmera essa que se mostra furtiva, como se o espectador estivesse presente na ação observando tudo de perto. Em diversos momentos a ação é registrada em segundo plano, estando em primeiro plano algo aparentemente sem importância. Essa escolha pode representar o olhar do espectador que observa aquela ação como se a estivesse espiando. Ou ainda pode ser um reflexo do fato de a história não se mostrar completamente em primeiro plano. Há pontos óbvios como a morte anunciada e a necessidade de lidar com isso, mas a verdadeira história se desenvolve nas entrelinhas através das transformações sutis da personagem.

Sensível, mas não exagerado. Simples, mas não simplório. Intimista, contemplativo. Todos esses adjetivos se encaixam no trabalho em questão. Minha vida sem mim é tecnicamente bem elaborado, conceitualmente bem definido e apresenta uma história comovente e envolvente.

Agora? Juanes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Magnífico do começo ao fim. Emocionante.