sábado, 14 de agosto de 2010

Elite pré-concebida

Elite pré-concebida
Um Lugar ao Sol aborda a diferença de classes a partir de luxuosas coberturas




Um Lugar ao Sol
2009/ Brasil/ 71min.
Documentário
Roteiro, direção e produção: Gabriel Mascaro
Produção executiva: Stella Zimmerman e Rachel Ellis
Direção de produção: Lívia de Melo
Co-produção: Símio Filmes
Música: Iezu Kaeru e Luiz Pessoa
Som: Phelipe Cabeça
Fotografia: Pedro Sotero
Edição: Marcelo Pedroso


Em um país onde a miséria, a pobreza e a má distribuição de renda já foram abordadas pelas lentes cinematográficas tantas vezes, o cineasta Gabriel Mascaro vem na contramão com o seu trabalho, Um Lugar ao Sol. Documentário que também aborda as diferenças sociais, mas sob um novo prisma: a elite.

Gabriel Mascaro é um dos sócios da produtora pernambucana Símio Filmes e antes desse longa dirigiu outros dois documentários: KFZ-1348 (2008) e Avenida Brasília Formosa (2009). Desde o início dessa jornada vem apresentando um olhar particular e uma tendência a abordar temas não muito convencionais. O primeiro filme, por exemplo, traça a história de um fusca através de entrevistas com os nove proprietários do carro. Já Avenida Brasília Formosa narra um encontro entre personagens que estão tecendo uma rede na comunidade Brasília Teimosa, localizada no Recife.

Com Um Lugar ao Sol seu olhar aguçado se volta à classe dominante brasileira. Mais precisamente aos moradores de coberturas de luxuosos prédios localizados em três estados: Pernambuco, São Paulo e Rio de Janeiro. O documentário se estruturou a partir de um livro no qual constam 125 nomes de proprietários desse tipo de imóvel. Desses, nove toparam participar do projeto. É através de conversas com esses “representantes” da classe que o documentário pretende abordar o ponto de vista dos financeiramente privilegiados, além de expor estilo de vida, problemas sociais e a verticalização da paisagem urbana, por exemplo.

Assim como seu trabalho anterior, KFZ, Um Lugar ao Sol apresenta um cuidado estético relevante através da fotografia bem trabalhada. A narrativa segue um ritmo lento dosado por imagens das cidades, de coberturas e também da construção de edifícios.

Esse cuidado visual se torna mais aparente nas cenas que quebram a narrativa. Aquelas que dão fôlego entre depoimentos ou mesmo que cobrem algumas falas dos entrevistados porque, no geral, o documentário segue a linha talking head, na qual os entrevistados ficam diante da câmera discorrendo sobre as questões lançadas a eles. Essa opção deixa a estrutura mais tradicional e se apresenta, inclusive, bastante diferente da escolha estética do diretor em KFZ, no qual o estilo talking head foi abandonado em função de uma narrativa mais poética e visualmente interessante.

Na mesma medida em que o documentário é feliz ao apresentar um ponto de vista pouco explorado na cinematografia nacional, a maneira como essa visão é apresentada ao espectador pode ser encarada como o principal problema do longa.

O posicionamento do diretor em relação ao seu objeto é muito claro e a maneira como os personagens são expostos levanta a questão: até que ponto é ético expor entrevistados ao ridículo a fim de registrar e – principalmente – confirmar um estereótipo em função de uma posição previamente definida? Sim, é louvável abordar a diferença social de maneira diferente do convencional, mas seria correto não dar nenhuma chance ao entrevistado para que o espectador o conheça melhor? Ou mesmo para que se surpreenda de alguma maneira?

As declarações dos entrevistados são, em sua maioria, impressionantes. Conscientemente ou não os moradores das coberturas expõem posições comprometedoras capazes de taxar essa “classe” como ignorante e indiferente.

É impressionante, de fato, ouvir uma pessoa de um elevado nível social se referir a trocas de tiros presenciadas do alto do seu apartamento como um acontecimento que “é trágico, mas é lindo”. Outro morador, parabeniza o diretor pela iniciativa de tratar um tema positivo ao invés de falar apenas sobre a miséria. Alguns personagens, a exemplo da senhora estrangeira que mora no Brasil há anos, desenvolvem um discurso mais consistente, mas essas pessoas não têm muito tempo na tela nem são utilizadas para guiar a narrativa.

O estereótipo é construído, mas Mascaro não tenta ir muito além do necessário para confirmar sua posição. Não procura conhecer melhor os personagens e o filme segue basicamente através das colocações referentes a viver no alto, o conforto de morar bem, a possibilidade de dispor de uma boa estrutura, a alienação e a superficialidade das pessoas dessa classe social.

Algumas críticas apontam que a própria metáfora de utilizar moradores de coberturas, ou seja, pessoas que vivem acima dos demais traçando, assim, um paralelo entre classes, poderia ser derrubada se levado em consideração que muitas favelas estão posicionadas no alto. Mas isso é apenas um detalhe, afinal casarões, condomínios fechados ou mesmo coberturas funcionam como um ponto de partida para abordar as diferenças sociais e, sob esse aspecto, a escolha do longa funciona.

Concebido inicialmente como um curta metragem, Um Lugar ao Sol chega às telas como uma proposta inovadora e, ao mesmo tempo, com idéias previamente concebidas, mas consegue levantar debates e questionamentos acerca da estrutura social brasileira e também sobre a estrutura do filme em si.

Agora? John Lennon.

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