quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Poesia na estrada
Viajo porque preciso, volto porque te amo emociona e reavalia a linguagem cinematográfica
Viajo porque preciso, volto porque te amo
2008/ Brasil/ 75 min.
Direção: Marcelo Gomes e Karim Aïnouz
Roteiro: Marcelo Gomes, Karim Aïnouz
Elenco: Irandhir Santos
O cearense Karim Aïnouz e o pernambucano Marcelo Gomes são nomes relevantes no atual cenário cinematográfico brasileiro. O primeiro foi responsável por Madame Satã (2002) e O Céu de Suely (2006). Já o segundo dirigiu Cinema, aspirinas e urubus (2005). Em seus trabalhos, ambos retrataram o interior do nordeste brasileiro, cada um à sua maneira.
Em 2004 a dupla realizou o curta metragem Sertão de acrílico azul piscina, um registro observacional do sertão nordestino que se apresenta como uma semente do longa que os dois viriam a concluir em 2009, Viajo porque preciso, volto porque te amo.
A partir da necessidade de trabalhar juntos, os cineastas iniciaram uma jornada que durou cerca de dez anos até que o longa fosse concluído. Concebido inicialmente como um projeto referente às feiras do sertão e a relação entre elas e as feiras de outros locais do mundo, essa definição inicial sofreu rapidamente uma guinada quando Karim e Gomes decidiram registrar tudo que os emocionasse, sem um roteiro previamente definido.
Os dois passaram anos filmando e registrando momentos, paisagens e pessoas aleatoriamente até que, em 2003, decidiram começar a dar corpo ao que havia sido captado. Essa definição ainda levou alguns anos antes de ser concluída, mas o resultado é um filme poético, envolvente, emocionante e inovador.
A trama é muito simples: José Roberto é um geólogo de 35 anos que precisa viajar pelo sertão nordestino a fim de estudar a viabilidade da construção de um canal que resultará no desvio do rio do local. O filme se desenrola a partir do ponto de vista dele que, durante a viagem, registra sua percepção do que vê, pensa sobre o sertão e, principalmente, mergulha em seus sentimentos e no seu relacionamento que se mostra complexo para o espectador. A perspectiva é sempre de Roberto que nunca aparece fisicamente. O espectador apenas escuta a voz do personagem.
Apesar da simplicidade da premissa, Viajo... consegue ir além do que um filme comum o faria, apresentando-se como um longa experimentalista e inovador. Não pode simplesmente ser definido como um road movie uma vez que o personagem nunca se mostra fisicamente e que a história segue uma linha narrativa diferente da usual, também não pode ser definido estritamente como um documentário ou como uma ficção, pois as imagens captadas são reais, assim como as histórias secundárias. Mas José Roberto é ficcional, assim como o seu relacionamento e a sua narrativa. O filme é então tudo isso: road movie, relato, diário, documento e ficção. E desperta mais uma vez a discussão sobre as definições e gêneros cinematográficos, além de relembrar aos realizadores e aos espectadores que é possível ousar e experimentar através dessa arte.
As imagens são registradas a partir de suportes distintos, tais como super 8, máquinas fotográficas e filmadoras digitais, por exemplo. Através da “colagem” das diferentes imagens nessa colcha de retalhos imagética que se torna o filme, representa-se também o interior do personagem que, na medida em que avança na estrada, tenta se descobrir e se encontrar, além de tentar entender e aceitar que o seu relacionamento já não é mais o mesmo. Essa viagem também é para Roberto um meio de se reencontrar consigo mesmo, além de definir qual será o próximo passo. Decisão essa que nunca é simples após uma grande desilusão.
Não é comum que um filme tenha a assinatura de mais de um diretor, mas não é impossível. Nesse caso a dupla apresenta uma sintonia perfeita capaz de reverter esses dez anos de trabalho em um resultado consistente e arrebatador.
Acompanhar José Roberto na sua viagem é deixar-se levar pelas emoções do personagem, é vivenciar o sertão e as pessoas que lá vivem, é mergulhar em si mesmo em busca da sua própria história, é se emocionar sem medo.
Agora? Los amigos invisibles.
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